Moda e Política

Por Bárbara Mandarano

Racismo na moda

A moda pode ser política? Não só pode, como deve!

De acordo com o podcast Pivô da Revista Elle em uma citação sobre o significado de política segundo Aristóteles, a definição da palavra na sua raiz tem o objetivo de trabalhar para o bem comum e é uma ferramenta para contribuir na felicidade e na vida em sociedade. Política não é só discurso, ela engloba ações que de fato fazem a diferença.

Com a onda de protestos e manifestações antirracismo em homenagem a George Floyde nos Estados Unidos, a internet a partir de noticias e conteúdos em redes sociais, promoveu uma mobilização em apoio ao movimento. A hashtag #BlackoutTuesday tomou conta das redes sociais na primeira terça-feira (02) do mês de junho, as postagens foram expressões de solidariedade ao Black LivesMatter, que vem despertando ações de luta contra o racismo em toda a América.

No Brasil, a discussão da questão sobre o racismo é bem peculiar, para muitas pessoas este debate só surgiu na mídia neste momento, em 2020, uma delas na premiação de Thelma, participante do Big Brother Brasil e com a recente morte de George Floyde.

No entendimento de alguém com a mente sã, tudo isso parece bastante bizarro e surreal, se tratando de um país em que 56% da população é formada por pretos e pardos. Esse é o percentual de pessoas que se declaram negras no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE.

Na maioria das vezes as discussões sobre o racismo não acontecem nos contextos familiares, nas escolas e nem são apresentadas nos veículos de massa, o que dificulta bastante o desenvolvimento do tema, que precisa de debates pontuais para acontecer no cotidiano. E um problema sério do Brasil é a comoção seletiva, foi preciso morrer um homem negro nos Estados Unidos, para que o brasileiro fosse dar importância e atenção aos dados do mapa da violência. Os dados no Brasil são cruéis, em 2017 demonstraram que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.

E qual a relação da moda com tudo isso?

A começar pelo fato de ter se apropriado ao longo da história da cultura negra sem nunca ter “pagado” por isso. Empresas, marcas e pessoas de diversos segmentos se posicionaram a respeito do assunto, incluindo as marcas de moda. É preciso tomar muito cuidado com os posicionamentos rasos nas redes sociais para não cair em discurso superficial sem ações concretas para luta contra o racismo.

É necessário muito mais do que pronunciamentos solidários ou uma nota de repúdio ao racismo, é fundamental compartilhar compromissos que precisam estar sólidosno cotidiano das empresas/marcas e essa deve ser uma ação contínua que fundamenta a cultura e o compromisso da empresa no dia a dia, a partir de forma mais realística, enaltecendo a verdade. Se isso não acontece, o posicionamento se transforma em apenas um discurso midiático, o que não contribui em nada com a prática das ações.

Utilizar a visibilidade e dos privilégios através de doações foram uma das maneiras que marcas, estilistas e grupos de moda reagiram ao movimento. Mas ainda assim a indústria da moda tem pouco compromisso com a realidade e não promove mudanças.

De acordo com Marina Colerato coordenadora do site Modefica em entrevista ao podcast Pivô, “a moda precisa estar a serviço das pessoas e não do capital, o que não significa não fazer negócios ou não ganhar dinheiro, significa de forma bastante simples não colocar o dinheiro acima de tudo e de todos.”

Para a pesquisadora e consultora de estilo Renata Abranchs, o racismo da moda não é uma questão do quão sensível nós somos diante das dores das pessoas negras, mas do quanto somos capazes de mover as estruturas da nossa indústria.

É muito importante ter pessoas negras trabalhando nas empresas, para fiscalizar, cobrar e promover mudanças, quem sente essa dor é quem passa por ela na pele, quem é branco nunca vai entender. É preciso mover as estruturas de forma definitiva.

Os símbolos da moda

De acordo com a matéria “Vestir é Político”, da organização Fashion Revolution Brasil para a revista Carta Capital, existe uma necessidade de autoafirmação que se estruturou na Idade Média e se materializou no Renascimento com a rivalidade entre classes, a realeza limitava e proibia o uso de algumas peças e materiais por outras classes sociais, criando assim a idéia de exclusividade e objetos de desejo, foi essa proibição que acabou diferenciando sua função e poderes na sociedade.

Segundo Lipovetsky, em seu livro O Império do Efêmero (1989), é neste ponto que as classes inferiores, em busca de respeito social, imitavam as classes superiores para que pudessem se tornar pertencentes ou mesmo reforçar a ordem social desigual. A moda, então, pode se tornar um instrumento de reforço na diferenciação e autoafirmação dentro da sociedade.

Vestir é político e as roupas são parte da primeira camada, de cada corpo, que causa a primeira impressão. Independente da mensagem que gostaríamos de passar com o que vestimos, essa mensagem vai chegar às pessoas através das referências que ela já tem.

Podemos dar como exemplo as eleições de 2018, vestir-se de vermelho naquele momento poderia significar uma afirmação de um posicionamento político, mesma sem a intenção. De acordo com a psicóloga e socióloga Eva Heller em seu livro “A psicologia das cores”, a cor vermelha é bastante controversa e intensa, usada em demasia e exposta de forma exagerada, chega a ser incômoda.

A moda pode ser instrumento de manifestação política, no Brasil tivemos um nome de destaque no universo do estilo brasileiro, a estilista mineira Zuzu Angel, personagem notória da época da Ditadura Militar.

Ficou conhecida nacionalmente e internacionalmente, não apenas por seu trabalho inovador como estilista, mas também por sua procura pelo filho Stuart, desaparecido em meio a acontecimentos obscuros da política, protestou através de seu desfile no consulado brasileiro em Nova York e aproveitou sua visibilidade para denunciar as atividades brutais do governo da época.

Vestido de algodão com bordados de desenhos infantis misturando casinhas e flores com soldados, canhões e tanques de guerra. Peça do desfile protesto de Zuzu Angel.

Zuzu Angel sofreu um suposto acidente de carro na Estrada da Gávea, em São Conrado, no Rio de Janeiro. Durante essa semana no dia 15 de junho de 2020, após 44 anos, o Judiciário reconheceu o assassinato de Zuzu Angel pelo Estado, e caberá à União pagar uma indenização às suas filhas.

Outro estilista brasileiro que tem destaque na relação moda e política é o mineiro Ronaldo Fraga, pra ele “o ato da escolha da roupa é um ato político”, afirma em entrevista ao jornal Correio Brasiliense. O estilista explica que tudo o que um criador for fazer ele tem que falar, tem que contar alguma coisa, tem que provocar, “houve um tempo em que ter uma boa modelagem, um bom tecido e um bom desenho bastavam, só que hoje, diante desse mundo caduco em que vivemos desmemoriados, o desafio é falar coisas que te dêem a mão para ir para outro lugar”, explica o estilista.

Modelos apresentam desfile do estilista Ronaldo Fraga em que ele relembra tragédia de Mariana através de suas criações.
Os estereótipos femininos na política

É naturalizada a exclusão das mulheres da esfera pública e, especialmente, dos cargos políticos, vem sendo um fator de legitimação da política como “negócio de homens”. Entende-se que as mulheres não se interessariam pelo debate político uma vez que estariam envolvidas em suas vidas privadas, na esfera doméstica e na maternidade. Uma vez confrontado esse sistema político patriarcal com mulheres que entram para a vida política, as mesma sofrem uma serie de ataques machistas além de serem objetificadas e sexualizadas.

A deputada Ana Paula da Silva, mais conhecida como Paulinha, foi eleita prefeita duas vezes em Bombinhas (SC) antes de assumir como deputada estadual na Assembléia Legislativa foi gravemente criticada em suas redes sociais com mensagem machistas e ameaçadoras acusando a parlamentar de falta de decoro por usar um macacão vermelho ‘ousado de mais para os padrões’ de um ambiente predominantemente composto por homens.Em entrevista para a Revista Marie Clarie, a deputada afirma: “Me senti violentada porque li nas redes sociais pessoas escrevendo que eu não poderia reclamar se fosse estuprada. Os comentários das mulheres foram os que me deixaram mais triste e me deram mais nojo: eram cruéis.

Deputada Paulinha usando um macacão vermelho decotado da Animale no dia de sua posse.

Outro caso entendendo como a indumentária desenvolve uma narrativa com a política, aconteceu com Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita e reeleita presidenta de um país em que os números de participação feminina na política são vergonhosos. A forma mais comum de sexismo na cobertura é dar atenção a roupas, cabelo e maquiagem das mulheres, enquanto os homens, igualmente maquiados e plastificados, com cabelos tingidos, não sofrem a mesma análise.

O conjunto de blusa e saia rendados offwhite com nuance rosada usado por Dilma na cerimônia de posse, gerou polêmicas e comentários maldososem toda mídia. O estilista Ronaldo Fraga em uma entrevista na época sobre o assunto para o jornal Folha de São Paulo, considerava que a roupa naquele momento era o que menos importava, fez criticas as comparações maldosas dos internautas ao assemelharem a roupa de Dilma com capa de botijão de gás.

Dilma em Brasíliano dia de sua posse

A ex presidenta Dilma Rousseff dentro do cenário político quase nunca conseguiu assumir totalmente sua feminilidade a partir das roupas, em suas escolhas ela conseguia mostrar uma personalidade de pessoa integrada ao meio político, de pulso firme e distante da idéia de identidade feminina e frágil.

Em um estudo da pesquisadora Karla Beatriz Barbosa de Oliveira “A roupa da presidente: uma análise de comunicação pelas vestes”, ela afirma que o ambiente da política é tradicionalmente masculino, e se vê cada vez mais invadido por figuras femininas. A idéia de força, sucesso e poder são necessários dentro deste ambiente, e tal perspectiva faz com que as personagens desta sociedade se modifiquem a fim de se tornarem bem vistas pelos expectadores e futuros eleitores. Sem muita saída, as mulheres identificam apenas duas opções no armário: adotar as vestes masculinas para compor o visual ou assumir literalmente o lado feminino. A escolha está ligada ao comportar-se e refletir a estratégia na política.

Dilma Rousseff usando terninhos

A Moda é utilizada como meio de comunicação, demonstração de poder, questionamentos sociais, quebra de limites e também como um importante instrumento de valorização da cultura, constitui um sistema, uma possibilidade de arranjos entre itens que sejam transformados em um marcador social e não apenas em um ato isolado de se enfeitar.

Todos os ambientes e contextos da moda precisam admitir que ela se estabiliza em solo desigual, por isso todos aqueles que atuam nesse grande negócio e sistema que é a moda, devem agir.

A moda tem grande potência política, mas por muitas vezes vai por vias negativas, porém tem oportunidade de fazer diferente, se organizar, reprojetar e em sua grandeza estar a serviço da sociedade. 

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