O INFINITO DAS COISAS

Por Taís Faraco

Exercite plenamente a sua mente , sabendo ser apenas um exercício. Construa artefatos, resolva problemas, explore os segredos do universo. Usufrua de todos os seus sentidos. Sinta alegria, pesar, riso, empatia. Leve a memória em sua bagagem. Eu me lembro de onde vim e como me tornei humano. Porquê estive por aqui. Agora, minha partida está marcada. (…) Não só a eternidade, mas o infinito. (do filme Waking Life, 2001, Richard Linklater)

Penso na infinidade. E em mandalas. E em padrões que se repetem. Lembro dos textos lidos sobre o universo e a expansão, a infinitude da vida, fractais, reencarnação, livro tibetano dos mortos, frequências e realidades paralelas. Depois penso na linha do tempo evolutiva que se desenrola por trás de nós como um oceano do tamanho de mil oceanos de tempo, mil anos, quatrocentos mil anos, duzentos milhões de anos; na biblioteca queimada de Alexandria, nas estátuas gigantescas soterradas no mar, nas enciclopédias de capa dura enfileiradas em centenas e centenas de estantes, nos livros queimados da Inquisição (e também na fumaça que foi levada pelos ventos sussurrando palavras), nas páginas impressas do jornal tic tac a cada manivela rodada, e cada par de mãos que folheiam os papeis. É muita coisa produzida no mundo, segundo a segundo.


Depois entro em mim e observo o interior enigmático que é a minha (e sua) cabeça. As associações diárias, os momentos de profundo insight poético e espiritual, tudo interligando-se com as memórias imaginadas, pensadas, criadas; as frases que aparecem como névoa, flutuam pela testa e viram éter. Tudo o que pensei e não foi dito. A ânsia em mexer os dedos e transformar em palavras as abstrações internas, as opiniões. E depois só penso: por quê escrever? Como poderia fazê-lo? Tudo já não foi dito e feito nessa vida?
Como há tanta e tanta coisa, palavra, ar, som, voz, sendo dita, escrita, impressa, engolida, projetada, compartilhada, gerada, transformada em bits, em cores, em versos, em filmes, em códigos, genéticos? Se a vida é imensidão, qual o destino? Qual o propósito? Não é preciso um propósito? É preciso um propósito?


O mundo é uma prova para testar se podemos nos elevar às experiências diretas. Nossa visão é um teste para saber se podemos ver além dela. A matéria é um teste para a nossa curiosidade. A dúvida é uma prova para a nossa vitalidade. Thomas Mann escreveu que preferiria participar da vida que escrever. (…). Assume – se que não se pode compreender a vida e viver ao mesmo tempo . Não concordo inteiramente. Ou seja, não exatamente discordo. Eu diria que a vida compreendida é a vida vivida. Mas os paradoxos me perturbam. Posso aprender a amar e fazer amor com os paradoxos que me perturbam. E em noites românticas do eu , saio para dançar salsa com a minha confusão. (Waking Life)

Penso algo e escrevo um livro. Alguém o lê. Comenta-se num círculo. Alguém se propõe a estudar. Alguém imprimiu o livro, cópias e cópias dos mesmos versos. Uma
livraria pôs à venda. Depois alguém encontrou aquele mesmo livro em um sebo, já cheio de orelhas e digitais. Um congresso é feito sobre o estudo do estudo dos textos feitos sobre o livro. Alguém liga uma câmera e dá sua opinião. Acontece às vezes de também virar música. Compõe-se um dos versos. Torna-se referência – alusão vaga. As palavras fazem alguém sentir alguma coisa. Uma pessoa ri. O escritor também.

Visualizo esse caminho das coisas acontecendo ao mesmo tempo em qualquer canto do mundo, e então, às vezes, isso pesa. Pois é como se eu não soubesse o que fazer diante de tamanha grandeza. Talvez na pequenina cabeça humana não caiba espaço para a compreensão exata do que é o infinito das coisas. Mas ao mesmo tempo que os caminhos da vida evolutiva parecem infinitos e atemporais, há alguma coisa de efêmero em cada instante vivido, como se fizéssemos e não fizéssemos parte da existência. Por que escrever o que penso? Como poderia fazê-lo? Nesses milhares de anos de existência de milhares de centenas de pessoas, tudo já não foi dito? Quem sou eu, esse minúsculo ponto num universo enciclopédico?

Tento, por vezes, procurar por algum sentido. Ele está então no meu eu, na minha individualidade, no que faz sentido pra mim dentro da minha concepção de mundo e pensamento e ética? Fazemos parte dos dentes de engrenagens dentro de engrenagens. Um pensamento então me surge: não, não podemos entender a imensidão universal com o nosso cérebro, caminhando unicamente pela via racional. Nós temos um terceiro olho. Nós temos intuição. Temos uma alma, como uma inteligência superior que se comunica por outras frequências. Temos um peito que se abre para o mistério. Só assim podemos compreender que: não adianta. Estamos envolvidos com o mundo.

Vamos, pois, escrever. Pintemos a arte. Sejamos transgressores aleatórios. Deixemos que as mãos procurem as habilidades, que nossos olhos e ouvidos se fundam; riam das palavras soltas pelo ar, vejam, comprem, leiam, rabisquem, rasguem, bebam, se afoguem, limpem as sujeiras, sujem o cotidiano, movimentem. Vamos viver. Só temos o agora, e só podemos aceitar.

Na verdade, só existe um instante, que é agora. E é a eternidade. É um instante no qual Deus está apresentando a seguinte pergunta… ‘Você quer fundir – se com a eternidade, você quer estar no paraíso?’ E estamos to dos dizendo: ‘Não, obrigado. Ainda não’.” Logo, o tempo é apenas o constante “não” que dizemos ao convite de Deus. Isso é o tempo. Não estamos em 50 d.C., como não estamos em 2001. Só existe um instante. E é nele que estamos sempre. Então ela me disse que esta é a narrativa da vida de todo mundo. Por detrás da enorme diferença, há apenas uma única história… a de se ir do não ao sim. Toda a vida é: “Não, obrigado. Não, obrigado”. E, em última instância é: “Sim, eu me rendo. Sim, eu aceito. Sim, eu me entrego”. Essa é a jornada. (Waking Life)

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