Como criar um Armário Capsula?

Antes de entrarmos nesse “How to”, bora entender o que, de fato, é a ideia do Armário Capsula e pra isso temos que voltar um pouquinho no tempo (Acho que voltar no tempo para contar uma história está se tornando minha assinatura aqui na Galpão).

O termo “Capsule Wardrobe” (Armário Capsula) foi criado em 1970, pela Susie Faux, dona de uma Boutique em Londres chamada Wardrobe. O conceito do termo criado por Faux é extremamente simples. Ela dizia que todos deveriam possuir itens essenciais que não saem de moda, que você gosta muito, que combinem entre si e que possivelmente possam ser usados durante todas as estações. Tá, talvez não seja extremamente simples, mas pode se tornar se mudarmos um pouquinho nossa forma de pensar, mas já já chegamos nessa parte.

Depois que o termo foi criado nos anos 70, somente em 1985 ele foi popularizado e não foi pela Susie e sim pela designer americana Donna Karan, que lançou uma coleção capsula de 7 peças que conversavam entre si e possibilitavam inúmeros looks.

Quantas vezes a gente diz “não ter o que vestir” quando nosso guarda roupas está atolado de peças? Já parou para pensar que talvez a gente tenha desenvolvido esse sentimento de não ter algo por simplesmente comprar peças por impulso sem saber com o que aquilo fica bom ou se temos algo já em casa que combina?

Nos dias de hoje (finalmente voltamos do passado), o Armário Capsula é visto como uma forma mais sustentável e prática de se vestir, uma vez que a ideia criada lá atrás leva a gente para a possibilidade de possuir menos e fazer mais com o que possuimos. Adotando essa forma de consumo, a tendência é que você invista seu dinheiro em peças mais duráveis que você ame e consequentemente pare de consumir em massa por impulso, ajudando o meio ambiente ao favorecer a criação futura de um ciclo mais saudável de produção de roupas (eu tenho esperança desse ciclo saudável de consumo e produção existir).

Um Armário Capsula representa mais tempo, dinheiro e energia gasta em outras coisas além das roupas, uma vez que você, ao adotar o “estilo de vida”, passa a entender mais seu estilo, facilitando o momento de se vestir, principalmente por você já ter pré-selecionado as peças e sabe que tudo que você tem te faz feliz e te veste bem. A ideia principal é criar uma “consciência de compra” e sempre saber o que você já tem, para não consumir algo que você não vai usar.

Embora esse termo que diz “menos é mais” tenha sido criado anos atrás, em algum momento, entre o antes e o agora, alteramos nossa forma de consumo para o oposto. Em algum momento fomos ensinados de que quem compra mais é mais feliz, mais bem vestido, mais poderoso. Uma ilusão, porque nada disso é verdade e é hora da gente tomar controle de tudo.

Como criar um Armário Capsula?

Agora que vocês sabem o que é o Armário Capsula e os benefícios dele, borá aprender a criar um?

Passo 1: Escolha sua paleta de cores.

O ideal é que você escolha duas cores de base que combinam com tudo, por exemplo: branco, preto, marrom, cinza e azul marinho. Itens como calças e casacos serão escolhidos usando as duas cores pré-selecionadas, para que as peças possam ser usadas com todo o resto.

Depois escolha mais uma ou duas cores mais vivas, que você goste muito e que fique legal com as cores de base. Essa cor vai definir peças como blusas, camisetas, vestidos e acessórios. Uma vez que você definir as cores, todas as peças vão passar a conversar entre si e vai rolar uma facilidade para as combinações, uma vez que as cores já vão fazer uma parte do trabalho complementando uma a outra.

Passo 2: Entenda seu corpo

O corpo é seu e é extremamente importante que você tire um tempo para você e passe a entende-lo e saiba o que conversa com você. Isso pode levar um tempo, entender nosso corpo é extremamente difícil, mas você saber o que  gosta de vestir e o que te deixa confortável é fundamental para que você consiga encontrar peças que te fazem bem e que não vão acabar no fundo o armário sem uso. Obviamente alguns tipos de corpo carregam mais privilégios que outros e para muitos corpos há uma enorme dificuldade em comprar roupas, mas a ideia do Armário Capsula diz mais sobre a sua forma de consumo, então o conceito pode se adaptado para sua realidade, não se pressione a nada que te deixe inconfortável e faça tudo no seu tempo.

Passo 3: Defina quantas peças seu Armário Capsula vai ter

Tricoteen

Embora isso seja uma ideia aberta, o ideal é que seu Armário possua até 40 peças (não contamos pijamas, roupas de ficar em casa e acessórios como brincos e colares). Um Armário Capsula de 37 peças, por exemplo, pode ser dividido em 9 pares de sapato, 9 calças/shorts, 15 partes de cima (camisas, camisetas, regatas etc) e 4 vestidos. É importante que você encaixe a quantidade dentro da sua necessidade, mas não esqueça do principio da ideia, que é possuir menos e usar mais. No final de 2019 a Ashley, do canal bestdressed (canal americano) fez uma viagem e usou por um mês um Armário Capsula de 30 peças e aqui tem a experiência dela.

 Para quem não entende inglês, há uma opção no Youtube de tradução simultânea nas configurações ao assistir o vídeo.

Passo 4: Reduza suas peças e Foque em peças atemporais

Ao criar um Armário Capsula você não precisa, necessariamente, comprar algo novo, você pode ver tudo que você possui, doar ou vender o que você não usa e ficar só com o que você usa e gosta (Oi Marie Kondo?). Se o que sobrar pós doação/venda não for o suficiente para você se manter por alguns meses, invista em peças atemporais. Quando a gente possui várias peças que não saem de moda, elas tem uma tendência a conversarem entre si, porque geralmente são peças mais clássicas. Obvio que você pode, uma vez ou outra, adquirir uma peça mais diferentona, mas lembre-se que o principio é você mudar seu mindset e conseguir viver tranquilamente com o que você já tem e consumir cada vez com menos frequência.

Passo 5: Mantenha ou adquira peças de qualidade

Isso não significa que você precise comprar uma camiseta de R$500,00, mas é interessante que você não consuma de marcas de fast fashion que fabricam com materiais baratos e não duráveis, uma vez que a intenção do Armário Capsula é você usar as roupas que tem com frequência e repetir mesmo as peças sem medo de ser feliz. Existem diversas marcas com preços acessíveis e materiais duráveis, como a Tricoteen e a Cotton On.

Lembrando que a ideia do Armário Capsula pode sempre ser adaptado a sua necessidade e ao seu bolso. Eu, particularmente, acho chic demais fazer mais com menos e repetir peças de roupa, então espero que mesmo se vocês não aderirem ao estilo de vida capsula, vocês passem a fazer mais com menos.

Até a próxima,

Caique.

SEGUNDA PELE

UMA ANÁLISE DO FIGURINO DO FILME PSICOSE, DE ALFRED HITCHCOCK

Por Bárbara Mandarano

Psicose (Psycho, 1960), de Alfred Hitchcock, é uma obra que enceta inúmeras possibilidades de reflexão e análise, desde aspectos ligados ao processo criativo e às formas como o público foi atraído para ela, até aqueles que fazem com que o figurino possa ser interpretado, nesse filme, não só a partir de conceitos oriundos do campo da moda, mas de teorias acerca da produção e recepção cinematográfica. Dessa forma, o figurino se estabelece como um recurso que Hitchcock se utiliza para a construção tanto dos personagens quanto do filme, no momento em que as informações são vinculadas pelo vestuário como elementos constitutivos da narrativa, capazes de fazer o espectador se identificar com o que presencia na tela.

Gif: Tumblr

No figurino da personagem Marion Crane, de Psicose, é observada uma forte referência do estilo das criações de Christian Dior. Maria Rita Moutinho e Máslova Teixeira Valença destacam que: “na America, no fim da 2ª guerra, as saias já tinham se tornando mais amplas: havia o desejo de realçar de novo as curvas femininas, e as mulheres sonhavam com saias rodadas dançantes” (MOUTINHO; VALENÇA, 2000, p.144).

Vestido cintura marcada e saia ampla de Marion Crane

Hitchcock foi um dos diretores mais preocupados com a caracterização de suas personagens femininas. Ele dizia a Edith Head, sua principal figurinista, como desejava que fossem as roupas das personagens. O diretor não gostava que as atrizes dessem opinião, mas Edith conversava com as atrizes sem que Hitchcock soubesse, para saber seus gostos e o que as vestiam bem. Assim, ela confeccionou peças que revelavam muitas características das atrizes e não apenas das personagens:

De acordo com LEITE e GUERRA (2002), o figurino é um importante componente na construção da obra fílmica, percorrendo a cena e o corpo do ator ou da atriz, marcando a época, o status social, a profissão, a idade do personagem, entre outros aspectos que visam à comunicação com o expectador. Na construção do figurino, a definição de determinadas roupas, composição e tratamento que é dada a elas indicam, ainda, uma significação, ou seja, conferem sentido ao personagem e ao próprio conjunto o filme. Conforme Umberto Eco:

Porque a linguagem do vestuário, tal como a linguagem verbal, não serve apenas para transmitir certos significados, mediante certas formas significativas. Serve também para identificar posições ideológicas, segundo os significados transmitidos e as formas significativas que foram escolhidas para os transmitir (ECO, 1982, p. 17).

Hitchcock e Edith Head, sua principal figurinista

O vestuário, nesse sentido, é parte de um processo social, no qual é imposto um sistema de classificação de objetos, destacando-se uma série de signos que, na linguagem do traje, possui um significado predeterminado. No cinema, o figurinista se volta para o indivíduo, na verdade, o personagem sobre o qual desenhará a intenção da narrativa. Ao servir-se da moda já existente, o figurinista escolhe e articula os significados que o vestuário pode ganhar a partir das inferências que se realizam entre aquilo que se vê na tela e o que se usa no cotidiano, entre o ficcional e o que se desdobra como convenção, realidade.

Embora Alfred Hitchcock declare que, para ele, em Psicose, o tema assim como os personagens não tiveram tanta importância quanto o lado técnico do filme (HITCHCOCK; TRUFFAUT, 2004, p. 287), é possível perceber certa preocupação sobre a mise-en-scène, no instante em que o cineasta se dedica a escolher cada figurino que os atores usariam durante as filmagens. Essa preocupação com o figurino não só reflete o controle que Hitchcock exercia sobre todas as etapas da produção, mas revela como o desenvolvimento dos personagens estava de acordo com o seu desejo de como deveria ser a narrativa. Conforme Rita Riggs:

Havia uma grande dúvida sobre se Janet usaria lingerie preta ou branca na cena de abertura. E isso durou algum tempo. Tínhamos as duas disponíveis, claro, e só na hora de filmar Hitchcock escolheu: branco para a primeira cena, preto para depois de ela roubar o dinheiro. Isso foi estritamente para o desenvolvimento da personagem. Ele tinha uma obsessão pela coisa da garota “boa‟ e a garota “má‟ (RIGGS entrevistada por REBELLO, 2013, p. 90).

Esse caráter duplo dos personagens, que é um tema recorrente na obra de Hitchcock, pode ser visto como uma valorização do corpo feminino, quando o cineasta vê nas mulheres um reflexo, um desdobramento, da própria trama de seus filmes: “gosto de mulheres que também sejam damas, que reservem o suficiente de si mesmas para manter um homem intrigado. No cinema, por exemplo, quando uma atriz quer transmitir sensualidade, deve assumir um ar ligeiramente misterioso” (HITCHCOCK, 1998, p. 123). A aura de mistério emanada pela figura feminina não tem como alvo somente o personagem masculino com quem ela se aventura, mas também o espectador, para o qual ela se dirige de forma sutil, seja ao atrair o olhar masculino daqueles que estão na platéia, seja ao funcionar como uma espécie de ideal de sofisticação para as mulheres que lá estão. A forma como Hitchcock concebe as mulheres, em seus filmes, possui semelhança com a reflexão que Charles Baudelaire faz sobre a relação entre elas e a maquiagem:

A mulher está perfeitamente em seu direito e cumpre até uma espécie de dever esforçando-se em parecer mágica e sobrenatural; é preciso que desperte e que fascine; ídolo deve dourar-se para ser adorada. Deve, pois, colher em todas as artes os meios para elevar-se acima da natureza para melhor subjugar os corações e surpreender os espíritos (BAUDELAIRE, 1995, p. 875-876).

A beleza exaltada como artificialidade encontra nos filmes de Hitchcock essa aura de sobrenatural, da qual nos fala Baudelaire, e mistério, que a narrativa cinematográfica constrói a partir da noção de suspense. Nesse sentido, se uma das definições de suspense se baseia nas informações que são passadas para o espectador⁴, o figurino só vem a corroborar para que elas, ao mesmo tempo, se sustentem como um coeficiente de realidade, ou seja, compactuem uma identidade visual com espectador, e possibilitem neutralizar a descontinuidade elementar provocada pela montagem (XAVIER, 2005, p. 24). A não ser que ocorra um erro de continuidade, o espetador tem a expectativa de que o personagem, pelo menos durante a sequência em que aparece, usará a mesma roupa.

4 Ao marcar a diferença entre o suspense e a surpresa, Hitchcock, nas entrevistas concedidas a François Truffaut, assim define uma das características do suspense: “onde se conclui que é necessário informar ao público sempre que possível, a não ser quando a surpresa for um twist, ou seja, quando o inesperado da conclusão constituir o sal da anedota” (HITCHCOCK;TRUFFAUT, 2004, p. 77) 

Artigo completo disponível da Revista Relici:

http://www.relici.org.br/index.php/relici/article/view/189

Moda e Política

Por Bárbara Mandarano

Racismo na moda

A moda pode ser política? Não só pode, como deve!

De acordo com o podcast Pivô da Revista Elle em uma citação sobre o significado de política segundo Aristóteles, a definição da palavra na sua raiz tem o objetivo de trabalhar para o bem comum e é uma ferramenta para contribuir na felicidade e na vida em sociedade. Política não é só discurso, ela engloba ações que de fato fazem a diferença.

Com a onda de protestos e manifestações antirracismo em homenagem a George Floyde nos Estados Unidos, a internet a partir de noticias e conteúdos em redes sociais, promoveu uma mobilização em apoio ao movimento. A hashtag #BlackoutTuesday tomou conta das redes sociais na primeira terça-feira (02) do mês de junho, as postagens foram expressões de solidariedade ao Black LivesMatter, que vem despertando ações de luta contra o racismo em toda a América.

No Brasil, a discussão da questão sobre o racismo é bem peculiar, para muitas pessoas este debate só surgiu na mídia neste momento, em 2020, uma delas na premiação de Thelma, participante do Big Brother Brasil e com a recente morte de George Floyde.

No entendimento de alguém com a mente sã, tudo isso parece bastante bizarro e surreal, se tratando de um país em que 56% da população é formada por pretos e pardos. Esse é o percentual de pessoas que se declaram negras no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE.

Na maioria das vezes as discussões sobre o racismo não acontecem nos contextos familiares, nas escolas e nem são apresentadas nos veículos de massa, o que dificulta bastante o desenvolvimento do tema, que precisa de debates pontuais para acontecer no cotidiano. E um problema sério do Brasil é a comoção seletiva, foi preciso morrer um homem negro nos Estados Unidos, para que o brasileiro fosse dar importância e atenção aos dados do mapa da violência. Os dados no Brasil são cruéis, em 2017 demonstraram que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.

E qual a relação da moda com tudo isso?

A começar pelo fato de ter se apropriado ao longo da história da cultura negra sem nunca ter “pagado” por isso. Empresas, marcas e pessoas de diversos segmentos se posicionaram a respeito do assunto, incluindo as marcas de moda. É preciso tomar muito cuidado com os posicionamentos rasos nas redes sociais para não cair em discurso superficial sem ações concretas para luta contra o racismo.

É necessário muito mais do que pronunciamentos solidários ou uma nota de repúdio ao racismo, é fundamental compartilhar compromissos que precisam estar sólidosno cotidiano das empresas/marcas e essa deve ser uma ação contínua que fundamenta a cultura e o compromisso da empresa no dia a dia, a partir de forma mais realística, enaltecendo a verdade. Se isso não acontece, o posicionamento se transforma em apenas um discurso midiático, o que não contribui em nada com a prática das ações.

Utilizar a visibilidade e dos privilégios através de doações foram uma das maneiras que marcas, estilistas e grupos de moda reagiram ao movimento. Mas ainda assim a indústria da moda tem pouco compromisso com a realidade e não promove mudanças.

De acordo com Marina Colerato coordenadora do site Modefica em entrevista ao podcast Pivô, “a moda precisa estar a serviço das pessoas e não do capital, o que não significa não fazer negócios ou não ganhar dinheiro, significa de forma bastante simples não colocar o dinheiro acima de tudo e de todos.”

Para a pesquisadora e consultora de estilo Renata Abranchs, o racismo da moda não é uma questão do quão sensível nós somos diante das dores das pessoas negras, mas do quanto somos capazes de mover as estruturas da nossa indústria.

É muito importante ter pessoas negras trabalhando nas empresas, para fiscalizar, cobrar e promover mudanças, quem sente essa dor é quem passa por ela na pele, quem é branco nunca vai entender. É preciso mover as estruturas de forma definitiva.

Os símbolos da moda

De acordo com a matéria “Vestir é Político”, da organização Fashion Revolution Brasil para a revista Carta Capital, existe uma necessidade de autoafirmação que se estruturou na Idade Média e se materializou no Renascimento com a rivalidade entre classes, a realeza limitava e proibia o uso de algumas peças e materiais por outras classes sociais, criando assim a idéia de exclusividade e objetos de desejo, foi essa proibição que acabou diferenciando sua função e poderes na sociedade.

Segundo Lipovetsky, em seu livro O Império do Efêmero (1989), é neste ponto que as classes inferiores, em busca de respeito social, imitavam as classes superiores para que pudessem se tornar pertencentes ou mesmo reforçar a ordem social desigual. A moda, então, pode se tornar um instrumento de reforço na diferenciação e autoafirmação dentro da sociedade.

Vestir é político e as roupas são parte da primeira camada, de cada corpo, que causa a primeira impressão. Independente da mensagem que gostaríamos de passar com o que vestimos, essa mensagem vai chegar às pessoas através das referências que ela já tem.

Podemos dar como exemplo as eleições de 2018, vestir-se de vermelho naquele momento poderia significar uma afirmação de um posicionamento político, mesma sem a intenção. De acordo com a psicóloga e socióloga Eva Heller em seu livro “A psicologia das cores”, a cor vermelha é bastante controversa e intensa, usada em demasia e exposta de forma exagerada, chega a ser incômoda.

A moda pode ser instrumento de manifestação política, no Brasil tivemos um nome de destaque no universo do estilo brasileiro, a estilista mineira Zuzu Angel, personagem notória da época da Ditadura Militar.

Ficou conhecida nacionalmente e internacionalmente, não apenas por seu trabalho inovador como estilista, mas também por sua procura pelo filho Stuart, desaparecido em meio a acontecimentos obscuros da política, protestou através de seu desfile no consulado brasileiro em Nova York e aproveitou sua visibilidade para denunciar as atividades brutais do governo da época.

Vestido de algodão com bordados de desenhos infantis misturando casinhas e flores com soldados, canhões e tanques de guerra. Peça do desfile protesto de Zuzu Angel.

Zuzu Angel sofreu um suposto acidente de carro na Estrada da Gávea, em São Conrado, no Rio de Janeiro. Durante essa semana no dia 15 de junho de 2020, após 44 anos, o Judiciário reconheceu o assassinato de Zuzu Angel pelo Estado, e caberá à União pagar uma indenização às suas filhas.

Outro estilista brasileiro que tem destaque na relação moda e política é o mineiro Ronaldo Fraga, pra ele “o ato da escolha da roupa é um ato político”, afirma em entrevista ao jornal Correio Brasiliense. O estilista explica que tudo o que um criador for fazer ele tem que falar, tem que contar alguma coisa, tem que provocar, “houve um tempo em que ter uma boa modelagem, um bom tecido e um bom desenho bastavam, só que hoje, diante desse mundo caduco em que vivemos desmemoriados, o desafio é falar coisas que te dêem a mão para ir para outro lugar”, explica o estilista.

Modelos apresentam desfile do estilista Ronaldo Fraga em que ele relembra tragédia de Mariana através de suas criações.
Os estereótipos femininos na política

É naturalizada a exclusão das mulheres da esfera pública e, especialmente, dos cargos políticos, vem sendo um fator de legitimação da política como “negócio de homens”. Entende-se que as mulheres não se interessariam pelo debate político uma vez que estariam envolvidas em suas vidas privadas, na esfera doméstica e na maternidade. Uma vez confrontado esse sistema político patriarcal com mulheres que entram para a vida política, as mesma sofrem uma serie de ataques machistas além de serem objetificadas e sexualizadas.

A deputada Ana Paula da Silva, mais conhecida como Paulinha, foi eleita prefeita duas vezes em Bombinhas (SC) antes de assumir como deputada estadual na Assembléia Legislativa foi gravemente criticada em suas redes sociais com mensagem machistas e ameaçadoras acusando a parlamentar de falta de decoro por usar um macacão vermelho ‘ousado de mais para os padrões’ de um ambiente predominantemente composto por homens.Em entrevista para a Revista Marie Clarie, a deputada afirma: “Me senti violentada porque li nas redes sociais pessoas escrevendo que eu não poderia reclamar se fosse estuprada. Os comentários das mulheres foram os que me deixaram mais triste e me deram mais nojo: eram cruéis.

Deputada Paulinha usando um macacão vermelho decotado da Animale no dia de sua posse.

Outro caso entendendo como a indumentária desenvolve uma narrativa com a política, aconteceu com Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita e reeleita presidenta de um país em que os números de participação feminina na política são vergonhosos. A forma mais comum de sexismo na cobertura é dar atenção a roupas, cabelo e maquiagem das mulheres, enquanto os homens, igualmente maquiados e plastificados, com cabelos tingidos, não sofrem a mesma análise.

O conjunto de blusa e saia rendados offwhite com nuance rosada usado por Dilma na cerimônia de posse, gerou polêmicas e comentários maldososem toda mídia. O estilista Ronaldo Fraga em uma entrevista na época sobre o assunto para o jornal Folha de São Paulo, considerava que a roupa naquele momento era o que menos importava, fez criticas as comparações maldosas dos internautas ao assemelharem a roupa de Dilma com capa de botijão de gás.

Dilma em Brasíliano dia de sua posse

A ex presidenta Dilma Rousseff dentro do cenário político quase nunca conseguiu assumir totalmente sua feminilidade a partir das roupas, em suas escolhas ela conseguia mostrar uma personalidade de pessoa integrada ao meio político, de pulso firme e distante da idéia de identidade feminina e frágil.

Em um estudo da pesquisadora Karla Beatriz Barbosa de Oliveira “A roupa da presidente: uma análise de comunicação pelas vestes”, ela afirma que o ambiente da política é tradicionalmente masculino, e se vê cada vez mais invadido por figuras femininas. A idéia de força, sucesso e poder são necessários dentro deste ambiente, e tal perspectiva faz com que as personagens desta sociedade se modifiquem a fim de se tornarem bem vistas pelos expectadores e futuros eleitores. Sem muita saída, as mulheres identificam apenas duas opções no armário: adotar as vestes masculinas para compor o visual ou assumir literalmente o lado feminino. A escolha está ligada ao comportar-se e refletir a estratégia na política.

Dilma Rousseff usando terninhos

A Moda é utilizada como meio de comunicação, demonstração de poder, questionamentos sociais, quebra de limites e também como um importante instrumento de valorização da cultura, constitui um sistema, uma possibilidade de arranjos entre itens que sejam transformados em um marcador social e não apenas em um ato isolado de se enfeitar.

Todos os ambientes e contextos da moda precisam admitir que ela se estabiliza em solo desigual, por isso todos aqueles que atuam nesse grande negócio e sistema que é a moda, devem agir.

A moda tem grande potência política, mas por muitas vezes vai por vias negativas, porém tem oportunidade de fazer diferente, se organizar, reprojetar e em sua grandeza estar a serviço da sociedade. 

Moda e modelos ultrapassados

Por João Henrique Bueno

Quando a Tricoteen me convidou para escrever um texto, primeiro fiquei muito animada, porque eu gosto muito de escrever. Depois fiquei muito aflita por não fazer ideia do que dizer. Tem tanta coisa que acho importante, que gostaria que me ajudassem a refletir, que tem me preocupado. Aí pensei, primeiro vou apresentar como e de onde eu olho para esses assuntos da Moda.

Parece que a Moda como meio de vida sempre girou em torno de mim. Eu nasci filho de uma dupla incrível que ganhava a vida tocando uma confecção de roupas e cresci no meio dos panos, pulando nas caixas de retalho, (hoje eu percebo) perturbando as costureiras e cheia de perguntas. Minha Mãe cuidava mais da modelagem, do corte, organização das costuras, enquanto meu pai agilizava a burocracia, a produção do Tricot. Uma indústria caseira.

Monte Sião, a Capital Nacional do Tricô. A cidade girava ao redor de confecções, do tal mundo da Moda. Enquanto eu crescia, eu achava que tudo aquilo fazia cada vez menos sentido. Eu demorei a entender a dinâmica e os inúmeros jogos de forças envolvidos no dia a dia e por quê a grande maioria das pessoas viviam de fazer roupa. Menos ainda eu entendia por quê as pessoas se importavam com roupa. E por que fazer roupa se as pessoas querem decidir por você como e o que colocar no seu corpo? Por que o que eu faço comigo “incoModa” o outro?

Mesmo eu querendo fugir de todas essas perguntas e fazeres, eu sempre senti um prazer inexplicável em fazer uma montação. A ideia de poder manipular, de estar no controle de como as pessoas iriam me perceber, me ver. Ficava imaginando cena e cenário de coisas que eu queria viver, de histórias que eu gostaria de contar que eu vivi. E sempre me preocupava muito o figurino. Com que roupa eu vou?

E não bastasse a família e a cidade toda, sempre acabava que as pessoas com quem eu convivia e compartilhava muito eram pessoas preocupadas com a Moda ou que viviam da tal Moda e de serviços relacionadas a ela. Sempre desfiles, estilistas, produtores, modelos, fotógrafos, publicidade, coleção isso e aquilo, imagem. E eu nem tinha o corpo ou o dinheiro para usar o que eu queria, então eu comecei a brincar que eu fazia minhas roupas.

Nisso a gente pode dichavar em linhas e linhas, se quiser dar pano para manga, também porque até determinado momento quase nenhuma loja me vestia, além dessa história de Gênero que depois falo disso, eu usava numeração 54 e pelo motivo que for é um verdadeiro terror crescer acreditando que seu corpo é inadequado, que por não ter determinada aparência você não é digno de amor (próprio, nem de outro), respeito, admiração e desejo. É isso que nos faziam crer com os modelos e imagens de determinados corpos, peles, formatos ocupando todos os lugares almejados, de poder, de desfrutar, estampar as capas.

Cada dia mais vemos mudanças, discussões e as chamadas desconstruções. Hoje, o que não serve mais são esses modelos. Os tecidos sociais é que estão puídos, desgastados, que já não queremos mais usar, repetir. Para que repetir modelo, sendo que nossa capacidade de criar é infinita?

Então, para além dos modelos de amor que fui apresentada em casa, meu caminho se cruzou com muita gente incrível, muita mesmo, que me fez rever minha maneira de olhar para o Mundo como um todo, mas para a gente não dar voltas em volta do rabo, Pelo recorte do texto, preciso citar minhas irmãs do peito e da área da Moda que me são referências de Estética, mas principalmente de Ética, e muito modelaram como hoje eu me relaciono com a Moda que são a @teteoshima, @cacaufrancisco e Anuro na @plagio_

Citar basta, pois que se apresentam melhor do que eu poderia fazer. Foram elas que me apresentaram um fazer transformador da Moda que antes, eu mencionei, encarava como uma bobagem sem-fim-pura-opressão. Não escondo. E sabe-se ainda tem muito a melhorar, mas que aprendi a perceber que tem o potencial de, na prática (como elas fazem) reconfigurar coletivamente a maneira como nos apresentamos ao mundo, a partir do que a gente carrega cobrindo, ou não, o corpo, que é nosso instrumento primeiro para afetar e ser afetado. O fazer de uma vestimenta que inevitavelmente é incorporada de conceito, de respeito e admiração por si mesma e pelo mundo, que desmonta padrões e questiona o que e o porquê visto.

A Moda, como indústria, sempre usou da construção da Identidade, da tentativa de controlar como somos percebidas, como queremos ser, seja status, seja sensualidade, poder, juventude, elegância, ou os valores que lhe coubessem como estratégia de venda, mas acredito eu, é justamente a pauta que hoje desmonta a Indústria para dar lugar à expressão da diversidade e singularidade da criação de muitos sujeitos. Não há um modelo que seja suficiente para tantas maneiras de Ser diferentes, a produção em série não dá conta.

Como estamos passando por reformas, tudo anda desmoronando e as pessoas tem mexido muito nas estruturas. Dá essa sensação de que o mundo desaba, mas é só uma questão de transição. Parece até que está na moda procurar novas maneiras de se organizar, para abranger os muitos corpos que habitamos, para propor novos modelos e nos dando aparato para viver mais colaborativamente, mais integradas, mais conscientes do que o que eu consumo diz de mim.

E é esse meu principal campo de atuação, o fazer de Identidades ligadas ao compor nosso Corpo coletivo, adequar o mundo a todas as corpas e à possibilidade de uma vida mais repleta, além de beleza, de criatividade. Eu faço tudo que posso para criar uma realidade mais abrangente, mais artística, debochada e performática qualquer cena que dê mais vontade de viver.

Se essa roupa fosse minha

Vestimentas e adornos como forma de afirmação da identidade da cultura de origem africana

Não é de hoje que a ausência ou a presença de elementos da cultura material associada ao corpo se revelam como meios de identificação de determinados grupos sociais.

No Brasil imperial, em meados do século XIX, os escravos, sobretudo os escravos de ganho, eram facilmente identificados por andarem pelas ruas descalços, isso mesmo, andar “sem sapatos” era indicativo de uma determinada hierarquização da sociedade daquele tempo. Sapatos como sinônimo de distinção social, como podemos observar, na figura 1, em alguns retratos de escravizados tirados pelo fotógrafo Cristiano Júnior, que eram comercializadas pelo mesmo como souvenir de “tipos exóticos” brasileiros.

Figura 1- Christiano Junior. Escravo de ganho barbeiro, 1864-1865. Rio de Janeiro, RJ / Acervo Museu Histórico Nacional.

Como também, pode ser lembrado, o uso de adornos como jóias sempre figurou como sinônimo de poder, riqueza e ostentação na sociedade oitocentista brasileira, como demonstrou Andrade em sua pesquisa histórica com inventários e testamentos post mortem relativos a cidades sul mineiras no século XIX. Vestir uma joia até pouco tempo atrás, denotava o pertencimento a um determinado grupo social, geralmente ao grupo dos descendentes dos colonos portugueses, branco e elitizado.

Recuados no tempo, esses dois exemplos guardam em comum com o presente ensaio o fato de certos artefatos da cultura material ligadas ao vestuário, serem muito além do que revelam aos nossos olhos. Todo tipo de vestimenta ou adorno expressam a cultura, entendida enquanto toda forma de manifestação do modo de ser, crer e viver dos grupos sociais em uma dada realidade espacial e temporal.

Nesse sentido, pensemos na estética da cultura africana atual e em como o uso de elementos da indumentária e de acessórios desempenham papel fundamental na construção e afirmação de uma identidade de pertencimento a raízes culturais de origem africana.

Vale esclarecer que o conceito de “identidade” é pensado aqui como um conceito que descreve algo que é diferente dos demais, porém idêntico a si mesmo. O conceito de identidade se constrói, portanto,na alteridade, na relação com o outro, com o diferente. Segundo Barth, (BART, 2000) a identidade de grupo deve também ser pensada como um aspecto de ordem política, podendo, de acordo com o contexto histórico ser negada ou afirmada, incluída ou excluída.

A indumentária afro é marcada pelo uso de tecidos coloridos leves, cores quentes mescladas e em diferentes formas, podendo ainda conter traços bordados ou em renda. Ao passo em que alguns acessórios como turbantes, colares, pulseiras e pinturas corporais também figuram como elementos do imaginário afro, conferindo identidade e personalidade. Ademais, tais traços da indumentária de raiz afro podem ser pensadas como atemporais e são inclusive incorporadas na alta costura e constituem fonte vasta e rica de inspiração para a moda atual, como por exemplo recente, a tendência “étnica”.

Tomando como exemplo o turbante, símbolo antigo de muitas regiões e culturas mundo afora, foi trazido para o Brasil através dos africanos que aqui desembarcaram ao longo do período colonial, como podemos observar nas figuras abaixo. Na Figura 2, a presença do turbante além da função de proteger do sol em um país tropical, como também a presença do turbantenos remete aos africanos de origem muçulmana que estavam na região nordeste do Brasil no século XIX. Já na figura 3, temos um desenho que simboliza a expansão do turbante pela alta costura, em um desenho pelas mãos do estilista francês Paul Poiret, renomado estilista francês nas primeiras décadas do século XX.

Figura 2: Alberto Henschel. Mulher negra escravizada de turbante, c. 1870. Rio de Janeiro, RJ / Acervo IMS
Figura 3: Desenho do estilista francês Paul Poiret, que introduziu o acessório na alta costura. Início do século XX.

Contudo, a indumentária da cultura africana está em constante movimento e ressignificação, marcando a vida social do povo afro-brasileiro de maneiras múltiplas no passado e no presente, conferindo identidade de raiz africana, representação de lutas e resistências, mas sempre levando em conta a beleza, a autoestima e o empoderamento de quem o veste.

Por Raquel de Fátima dos Reis

Graduação em História pela UEMG

Mestrado em História Contemporânea II pela UFF

Fontes de pesquisa para escrita do “Ensaio”:

  • ANDRADE, Marcos Ferreira de. Família, fortuna e poder no império do Brasil: Minas Gerais, Campanha da Princesa (1799-1850). Tese de doutorado, Universidade Federal Fluminense, 2005.
  • BARTH, F. Os Grupos étnicos e suas Fronteiras. In: O Gurú, o Iniciador e Outras Variações Antropológicas. Tradução de John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2000.
  • LIMA, Kédma Cristina Costa ; Silvia Avelina Ribeiro da SILVA; CEZAR, Valdete Alves. A vestimenta como símbolo de identidade cultural afro- brasileira. In: Revista Coletivo SECONBA – Volume I – Ano I , 2017, n.º 01.
  • GASPAR,Paula Cristina Valle. As tessituras do Turbante: narrativas de força e de beleza. Trabalho de Conclusão de curso: UFJF, 2019.

Sites:

O real proposito do Consumo Consciente

Por Caique Jota

Quando a gente pensa em consumo consciente, nossa mente tende a ir diretamente para Moda Sustentável, Eco-friendly, mas e se eu te disser que consumo consciente não é só isso?

A ideia de consumo consciente é trazer informação para nosso Poder de Compra. Por exemplo, quando a gente fala “enjoei das minhas calças jeans, vou comprar uma nova”, não estamos só comprando aquela calça, a gente está fortalecendo a venda de um dos produtos mais prejudiciais ao meio ambiente. Dados da Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) do Produto, apontam que uma única calça jeans consome 4 mil litros de agua para produção e durante seu ciclo de vida, o que equivale a emissão de 33,4kg de carbono (valor estimado pra uma viagem de carro de 111km).

Um outro exemplo fora dessa questão ambiental é a gente consumir de marcas sem saber quem está por trás dela, as vezes nós estamos fortalecendo um nome que não faz nada de bom para nossa sociedade e ,muitas vezes, vão contra coisas que a gente acredita.

Por muito tempo eu fui a pessoa que não entendia o que era Consumo Consciente e Poder de Compra, até que um dia, no meio de uma ida (totalmente desnecessária) ao shopping, me questionei uma série de coisas, como porque eu compro roupas com tanta frequência e porque eu não consigo entrar em uma loja e sair de mão abanando.

Não sabia a resposta de nada disso, afinal, raramente a gente sabe a resposta pra tudo que a gente se questiona.

Como bom Sherlock que sou, fui investigar o meu Eu. Fui tentar entender o que me motivava a consumir do jeito que eu consumia. Eu não nasci e falei “vou consumir de forma consciente”, muito pelo contrário, eu nasci e cresci dentro de uma família que comprava por comprar, comprava por capricho e não por necessidade, então percebi que o consumo sem controle estava na minha “cultura pessoal”, na minha criação. Além disso percebi que o que contribuiu a tudo isso foi o que eu cultuava na minha infância e adolescência.

Na minha época não existiam séries e desenhos que retratavam o personagem cool comprando em brechó, por exemplo. Muito pelo contrário, em desenhos, filmes e séries, o personagem legal e desejável era descrito como a pessoa que não repete roupas, que tem condições de ter tudo novo sempre, que sai pra fazer compras com seus amigos e, afinal, qual adolescente não quer ser legal e desejável? Eu queria me encaixar nesse padrão, eu queria ser popular, porque o personagem “não popular”, que não tinha condições financeiras, que não tinha como ter o tênis mais novo de todos, sofria por simplesmente não fazer parte do padrão. Eu não queria sofrer e é muito louco a gente pensar em retrospecto e ver tudo que me influenciou a ser como sou, convido todos a fazerem isso. 

Quando me questionei sobre meus hábitos de consumo, eu já tinha noção de que não era algo saudável pra mim, mas não tinha criado consciência ainda sobre como isso afetava as coisas ao meu redor.

Um grande aliado da Dúvida é a Informação, então corri atrás dela. Fui atrás de entender o que de fato eu estava fazendo quando ia em uma loja de departamento (fast fashion) e comprava várias roupas. Antes de toda a questão ambiental, eu vi que existia muitas lojas que as questões morais iam pro lado totalmente oposto do que eu acredita. Vi casos de fast fashions envolvidas com trabalho escravo, vi marcas envolvidas em diversas situações racistas e homofobicas. Observei, por exemplo, lojas que no mês do orgulho LGBTQIA+ faziam varias roupas pra homenagem ao movimento, mas durante o resto do ano inteiro, faziam nada. Todas essas informações, ao longo das pesquisas, foram me dando um sinal gigante de alerta e pensei “caramba, investi meu dinheiro em empresas que não fizeram nada de útil com ele, além de criar mais e mais roupas” e ai que entrei na questão ambiental.

Nas pesquisas que fiz na época vi uma coisa que se a gente pensar mais a fundo, é obvio, mas eu não tinha pensado a fundo, né? Eu só queria um look novo. Pois é, nessa de querer um look novo, eu esqueci de pensar que roupas não são feitas de vento, mas sim de algodão e plástico (que utiliza petróleo para composição) e tudo isso, demanda impactos no meio ambiente. Vestir uma camiseta de algodão, não custa só, em média, R$49,90. Custa impactos no solo, por conta de todos os produtos químicos para o plantio, muitas mãos para produção (possivelmente muitas dessas mãos não recebem o valor justo para o trabalho feito), além de cerca de 3 mil litros de agua.

A Industria da Moda não é inofensiva ao mundo, muito pelo contrario, ela foi considerada a segunda indústria mais poluente para o meio ambiente, perdendo apenas para a Industria Petrolífera. Além de processos de produção que prejudicam o meio ambiente, a Industria descarta anualmente cerca de US$500 bilhões de roupas, roupas essas que não são recicladas e vão pra aterros. Ou seja, além de problemas na produção, está havendo, claramente, uma produção desnecessária para o consumo real das pessoas.

A gente, como consumidor, nos tornamos mal acostumados. Para  comprarmos algo, precisamos ver 10 variações de uma única camiseta. Queremos opções, quantidade e adivinhem?! Isso é exatamente o que a Industria da Moda está nos fornecendo, porém por conta dessa nossa necessidade, a Industria já não se sustenta, os recursos estão acabando.

“Mas Caique, o que eu faço então? Paro de comprar?”, não, eu não estou falando para você deixar de consumir, eu estou falando para você ressignificar a sua forma de consumo. Se questionar se você precisa daquilo, se você está consumindo de uma loja/marca que faz algo de bom pra sociedade, se questionar se há outras formas de consumo além de ir comprar peças novas no shopping. Eu, por exemplo, parei de consumir de shopping, hoje compro roupas de brechós, customizo roupas antigas, crio coisas novas a partir de coisas velhas, porque além de ajudar uma pessoa ou loja menor, estou dando um novo ciclo de vida a uma peça de roupa, estou fazendo com que todo o processo de fabricação dela passe a valer mais a pena.

A gente precisa olhar para o ato de comprar como um Poder. Você pode fazer a sociedade melhor só por não consumir algo.

Por Caique Jota

Revisão de texto de Camila Cruz

Bibliografia:

Moda, Imagem, Identidade e os Influenciadores Digitais

Por Bárbara Mandarano

O nascimento da moda é paralelo ao da classe burguesa e com a capacidade de liberdade e democracia no que diz respeito ao indivíduo. A moda representa à construção da identidade e esta diretamente ligada à imagem. A sociedade e seus indivíduos passam por processos de evolução acompanhados pela moda e pela representação da identidade. No mundo globalizado, pela internet, as pessoas recebem grande quantidade de informação e influência cultural o tempo todo, esta multiplicidade de influência faz com que as pessoas se desenvolvam e apresentem seus respectivos estilos.

Atualmente, além da explosão de influências e referências que surgem a partir da internet, também aparece uma nova categoria, totalmente construída no universo virtual, perfis conhecidos como influenciadores digitais. A discussão teórica que esta tendência traz, tem relação com a construção de uma imagem de si, de uma marca que possa ter valor de troca para empresas dos mais diversos segmentos.

No livro A identidade cultural na pós-modernidade, Stuar Hall afirma que a constituição de identidade acontece na relação com as pessoas quem mediam os valores, sentidos e símbolos. Ou seja, a cultura para o sujeito se desperta como identidade construída no processo de interação entre a sociedade e o sujeito, em um diálogo contínuo com o mundo. É a partir desta relação que o sujeito se projeta e incorpora imagens e símbolos que vão compor sua identidade.

            Na publicação de Maria Helena Pontes sobre moda, imagem e identidade ela aborda a sociedade contemporânea e globalizada, onde a tecnologia permite que a comunicação entre os mundos distantes aconteça em tempo real, fazendo uma conexão entre pessoas e lugares. Neste cenário é possível destacar um papel cada vez maior de influência das imagens do dia a dia.

            A comunicação, relações entre culturas, imagens e notícias assumem uma dimensão cada vez maior na era da informação, fazendo com que a identidade das pessoas sofra uma interferência constante do mundo externo. Neste universo em que a imagem tem domínio e a moda uma maior predominância sobre o comportamento social, é possível consumir a imagem e identidade através da moda. Todo mundo se identifica pelo desejo de ser em contraponto com o sentimento de pertencimento a determinado grupo, este caminho leva o indivíduo em direção ao consumo e a multiplicidade da própria identidade.

            Ainda falando sobre identidade, toda e qualquer identificação busca moldar uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado com o exemplo de modelo ideal. A identificação surge como uma característica comum onde se percebe as semelhanças entre uma pessoa e outra.

            As pessoas podem se identificar por tradições ou por questões sociais que são impostas ao que se espera de cada um, porém com o mundo globalizado e essa enxurrada de informação é possível ser autêntico, o que possibilita uma mudança no seu papel social e na sua identidade. A moda sempre foi ligada às novidades, trazendo coleções periódicas como aparato para atrair pessoas pelos desejos de consumo.

            Guilles Lipovétsky em O império do efêmero apresenta o surgimento da classe burguesa e a relação com um processo de luta de classes na busca por prestígio e aparência. A burguesia com seu enriquecimento busca tornar evidente seu poder se vestindo tal qual a nobreza. Entende-se por um jogo de representações visuais que a roupa constrói, gerando uma moda que se reinventa e se faz circular.

            Para Maria Helena Pontes, a moda é um modelo de representação a ser seguido, se liga a outros assuntos na tentativa de construir significações, ou fazer uso delas uma vez que as significações já foram atribuídas às pessoas anteriormente. Os símbolos da moda transmitem muito mais que as roupas em questão, exibindo-se como um modelo de referencia de uma época, modelo de valores que se oferecem á identificação como modelo ideal de estilo de vida.

            Através de roupas, sapatos, acessórios, maquiagens e comportamento uma pessoa pode usar sua aparência em postagens relatando o dia a dia da sua vida e projetando suas ideias e valores. Cada blogueira expressa seu ponto de vista e a forma como se constrói através da moda, transformando sua rede social em um espaço que expressa sua própria identidade, espaço que se torna uma mediação entre as tendências da moda e a construção de uma moda de múltiplas referências e identidades construídas diariamente por pessoas comuns.

No artigo Influenciadores digitais: o Eu como mercadoria da pesquisadora Isaaf Karhawi, é retratado que a noção de influenciador digital passou por novas roupagens , desde prosumidor (neologismo criado com a junção dos termos produtor e consumidor) até curador de informação.

Shirky, em seu livro “A cultura da participação” (2011), fala sobre a possibilidade oferecida pelas mídias sociais digitais de um internauta ser também produtor, a revolução esta centrada na inclusão de amadores como produtores, em que não precisamos mais pedir ajuda ou permissão a profissionais para dizer coisas em público.

Um influenciador produz com frequência e credibilidade conteúdos temáticos, neste processo, ele deixa de ser um internauta comum e passa a ser encarado como uma mídia autônoma, uma marca.

Ainda para Isaaf Karachi, as blogueiras de moda são precursoras desse novo estilo profissional na área da comunicação, além de levar informações sobre moda e beleza para pessoas afastadas dessas informações que são típicas por revistas especializadas da área, elas também constroem comunidades de leitores e seguidores que confiam em suas opiniões. As pessoas se tornam cada vez mais próximas e humanizadas de toda a informação com a qual tem contato diariamente.

Roberty Henry Srour em Ética empresarial: a gestão da reputação”, explica que a reputação esta diretamente ligada à confiança coletiva, “à legitimidade que se conquista pelas políticas praticadas ou pelas ações cometidas”, pontua o autor. As mídias sociais e digitais facilitam os processos de reputação, pois permitem moldar as ações praticadas no espaço digital de acordo com as imagens de si que se pretende divulgar.

            A pergunta que pauta todas essas questões é bem simples; Por que nos interessamos pela vida e imagem do outro? Quem ampara esse modelo de influenciadores? Estamos falando da mesma sociedade que posta e curte selfies, que faz publicações do almoço, do jantar, da academia que frequenta. Para Karhawi, essa é uma sociedade baseada na imagem e na repercussão dessa imagem no ambiente digital.

            Empresas procuram influenciadores para conquistar os públicos e os influenciadores também procuram marcas que lhe agreguem valor. É importante ressaltar que o trabalho de influenciador é uma união entre duas marcas, por essa razão a liberdade de criação é essencial quando se trata de produtores de conteúdo digital e não com modelos e celebridades.

            Os influenciadores são mídias autônomas e têm uma imagem de si construída sobre uma estrutura sólida de reputação e legitimidade no espaço digital. Eles se aproximam mais do consumidor, o que representa melhor a era globalizada, é a representação de um novo tempo, uma nova comunicação de moda.

Dos tapetes às passarelas

Por Bárbara Mandarano

Filho de dona Maria Lucia e do senhor César, Jean Felipe Lemos nasceu na cidade de Passos, mas foi em Carmo do Rio Claro, sudoeste mineiro que viveu maior parte de sua vida. Hoje aos 30 anos conhecido como Jean Honoratto, elx conta que adotou esse sobrenome artístico, pois além de combinar com sua personalidade é o nome de sua bisavó materna.

Jean é modelo e se classifica como uma pessoa sonhadora, dispersa, extrovertida e cheia de atitude. Sua cor preferida é verde e odeia chocolate.

Com o pai morando e trabalhando no campo, Jean comenta que foi criado por sua mãe e tias e teve uma infância perfeita. Brincar na rua com os amigos era comum, essa é uma das vantagens de viver em cidades pequenas do interior mineiro, elx ainda conta que alternava os dias das brincadeiras, brincando com as meninas de boneca e com os meninos de bola e carrinho de rolemã.

O modelo afirma que desde criança sentia o lado feminino e masculino em todas atividades que desempenhava e também se recorda das piadas de mau gosto que sofria naquela época, o que na verdade já era o preconceito escondido atrás de brincadeiras.

Jean se lembra que muito cedo os pais já o poupavam dos comentários maldosos que sua comunidade fazia em relação a sua identidade, e conta que eles sempre foram protetores e não queriam que Jean sofresse, pois já sabiam da crueldade das pessoas.

Muitas são as recordações de dona Maria Lucia comprando Barbie e confeccionando roupinhas para as suas bonecas, sua família sempre o acolheu com muito amor e aceitação. Jean circulou em vários espaços com muita liberdade, espaços considerados de meninas e de meninos pela sociedade, praticou karatê, futebol e também dança e teatro.

Ainda na infância elx nos conta que não era muito bom no colégio, mas estava sempre envolvido nas atividades artísticas e nessas sempre foi destaque. Jean também se recorda da gozação dos colegas quando levava a boneca Lala dos Teletubbies para brincar no recreio, e fala da situação com muito humor:

“muitos colegas me zoavam pela Lala, mas com todo meu trabalho de manipulação fiz com que todos aqueles que me zombaram brincassem com ela”.

O modelo conta que sempre gostou de dar close e se exibir, não importava onde, certa vez decidiu ser coroinha da igreja só para desfilar durante a missa passando pelo tapete até o altar.

Essa característica de estar sempre em evidência, participando de peças de teatro da escola, desfiles de concursos de beleza da comunidade mais tarde resultaria nos caminhos profissionais. Entre vários concursos surgiu a oportunidade de participar de algo um pouco maior, um concurso da Elite Model onde Jean pode fazer seu primeiro book, elx não venceu o concurso, mas a experiência valeu muito a pena para alavancar a carreira.

Na juventude Jean decidiu estudar moda e foi na faculdade que aprendeu que moda é comunicação e entendeu que poderia expressar tudo o que sentia, e foi naquele espaço que elx percebeu que o menino considerado estranho por sua comunidade poderia se transforma em uma mulher maravilhosa. Dentro do espaço acadêmico muitos trabalhos eram apresentados em formato de desfile e Jean já era selecionado pelos colegas para se apresentar.

Um acontecimento que marcou a vida e carreira de Jean Honorato foi a relação de amizade que fez com o fotógrafo João Cássio que na época estava começando na área e precisava de um modelo para ganhar experiência e montar seu portfólio.  João divulgava seu trabalho no saudoso Orkut, e através dessa divulgação uma agencia contactou Jean para um teste.

A partir daí começa oficialmente a vida de modelo de Jean, muito trabalhos sem cachê e somente em troca de divulgação, muitos “nãos” e portas na cara, mas nada disso foi motivo para fazer com que o modelo desistisse do sonho. As coisas começaram a acontecer e com um contato aqui e outro ali Jean foi ganhando experiência e visibilidade na carreira e no ambiente de moda.

Jean sempre soube das dificuldades que encontraria, mas nunca desanimou em continuar tentando, elx afirma que foi muito gratificante todo esse processo, e desabafa: “eu amo o que faço”.

A androginia se fez presente em toda vida de Jean, mesmo quando elx não sabia o que significava. No livro Fashion Culture and Identity, autor Fred Davis explica que a verdadeira androginia envolve uma fusão ou mutação dos itens específicos de vestuário e aparência, algo que destrói qualquer representação do sexo biológico de uma pessoa. Em outras palavras, para além das características biológicas visíveis, vestuário e outros acessórios utilizados pela pessoa teriam “nada a dizer” a respeito da questão de gênero ou papel sexual.

Em um de seus primeiros ensaios ainda menino, Jean se lembra de usar uma maquiagem super carregada e se identificava pela primeira vez com a imagem andrógina que enxergava.

Ao ser questionado sobre sua aparência andrógina, Jean declara “Sim, eu me sinto totalmente andrógino, sempre tive essa liberdade fluida (não binária) que me permitiu transitar pelos dois lados da moeda, e foi através da moda que tudo isso foi possível”.

De acordo com a pesquisadora Letícia Abraham no site do programa Bem Estar da GNT, o movimento genderless, que significa não possuir identidade de gênero, se manifestou na moda por meio de peças, como a calça boyfriend e a skinny, que servem tanto para homem quanto para mulher, ela ainda afirma que “vivendo uma vida genderless a sociedade fica muito menos preconceituosa, as pessoas podem ser mais felizes, mais autênticas”.

Para Jean a moda sem gênero prega uma forma de se vestir livre de preconceitos, “aprendi a entender meu corpo e isso é o melhor de mim” declara o modelo.

O modelo tem uma forte relação com as roupas, para ele a roupa comunica e reflete a personalidade, através dela ele pode se expressar diariamente. Elx explica que através de suas roupas é capaz de seduzir, se empoderar ou ser romântico e frágil dependendo do seu estado de espírito.

“Eu amo me produzir e sentir qual a vibe do meu dia, se estou a fim de assumir um personagem ou simplesmente expressar o sentimento daquela ocasião.

Normalmente sou ousado, gosto de exageros, como ir a padaria de salto alto, eu amo, me sinto bem” afirma Jean. Para elx o importante é se divertir e se sentir bem através de suas roupas.

Quando o assunto é sobre ídolos, Jean diz que tem muitos, porém seria injusto não eleger a Diva Beyoncé como a número um de sua lista. “Ela sempre vai ser um ícone, símbolo de representatividade pra mim, uma mulher negra, feminista, talentosa, consagrada por todos e respeitada pelo seu local de fala”, explica o modelo.

Mulher poderosa e dona de si, Beyoncé é uma das maiores inspirações para o modelo, elx conta que tudo que aconteceu em sua vida teve uma trilha sonora da musa.

Em tempos de pandemia e com os trabalhos todos adiados, Jean tem usado seu tempo recluso para refletir sobre várias questões e entre elas a importância de seu papel dentro do coletivo que representa.

É um momento onde a diversidade esta conquistando cada vez mais espaço, “as pessoas estão entendendo a importância que é ter uma bicha preta com seu black armado dando close”, declara o modelo.

Jean foi convidado recentemente a participar do Miss Gay São Paulo , a primeiro momento ele pensou que aceitando seria uma incrível oportunidade para sua carreira e para enaltecer seu ego, mas logo depois se deu conta da importância de sua representação na participação desse evento. Ele ainda garante que esse é um concurso que envolve uma questão social fundamental em apoio a causa LGBTQIA+.

Entre muitos projetos pós-pandemia que Jean almeja, conseguir o título de Miss Gay São Paulo, Miss Gay Brasil e o tão cobiçado Miss Gay Universo são as maiores metas e ambições. Enquanto isso ele aproveita pra se dedicar aos estudos, cuidar do corpo e da mente para estar preparado para tudo que vem pela frente, e deixa escapar que um suposto relacionamento pode firmar.

No ultimo domingo 17 de maio foi dia Internacional contra Homofobia e Transfobia, data que se tornou simbólica por ser sinônimo de luta pelos direitos humanos e pela diversidade sexual, contra violência e o preconceito. Perguntamos a Jean o que essa data simboliza em sua vida e história. O modelo desabafa:

“sabemos que se assumir não é fácil, o conflito começa dentro de você e dentro de casa, o que não foi o meu caso, mas é o da maioria. Não há nada mais libertador do que poder ser quem se é de verdade, sem máscaras e sem amarras, a vida é uma só pra se limitar e se esconder”.

Jean assegura que a comunidade LGBTQIA+ move e motiva a resistência e encerra desejando amor e vibrando pela diversidade.

A (Trans)formação da Moda

Por Caique Jota

Vocês já se questionaram quando o padrão da Moda que conhecemos hoje foi dividido entre o que é Feminina e Masculina? Existe uma explicação histórica e preciso dizer, culpem a Revolução Francesa!

Lá nos anos 1700, na Moda, embora existisse o papel “homem e mulher” estipulado com seus deveres (assunto para uma outra matéria), essa diferença não era dividida nas roupas. As vestimentas eram similares, homens usavam saltos, perucas e camisolas para dormir, a sociedade não via problema algum nisso, diferente do cenário pós Revolução Francesa, onde o Modelo Burguês de Comportamento foi adotado. Esse comportamento estabeleceu a separação do gênero através da Moda, o que a gente carrega até hoje. Será que não esta na hora da gente adotar um novo modelo de comportamento?! This is so 1800s.

Para falar sobre a Identidade de Gênero na Moda, acredito ser importante incluir pessoas que não se enquadram no padrão binário (homens e mulheres cis) imposto por anos, pela Sociedade, então convidei o Gui (@guigrossii) para trocar uma ideia sobre o assunto.


– Gui, me conta quem é você e o que é Moda pra você?

Gui: “Eu sou o Guilherme, a Gui ou a “Grossinha” como me chamam na internet, rs. Tenho 22 anos, moro em São Paulo, capital. Sou formado em Produção de Moda e atualmente trabalho em um e-commerce de moda e estou procurando um espaço na internet onde eu possa comunicar sobre as potencias do meu corpo. Me identifico como uma pessoa não-binária e não me importo com pronomes. O Guilherme ou a Gui são vários/várias em um só́ corpo. Sempre digo que o meu corpo é mutável e estou aberta a qualquer mudança. Viver é não se prender nas amarras da sociedade. Pra mim sempre enxerguei moda como comportamento e comunicação pura, eu decido a mensagem que quero deixar no mundo.”

– Como você explicaria o que é Identidade de gênero pra alguém que não sabe ou não entende?

Gui: “Identidade de gênero nada mais é do que o gênero com que a pessoa se identifica, homem, mulher ou se ela vê a si como fora do convencional, como em não-variedade e variância de gêneros. Pode também ser usado para referir ao gênero que certa pessoa atribui, tendo como base como a pessoa se reconhece como indicações de papel social de gênero (roupas, corte de cabelo, etc.”

– Qual o peso da Identidade de Gênero na moda pra você que vive uma Identidade de Gênero que não é o “padrão” da sociedade?

Gui: “A maior dificuldade em ser uma pessoa não binaria, além do machismo, é claro, é a falta entendimento das pessoas. Me chateia quando dizem que eu estou perdida, eu tenho total noção de quem eu sou. Estou viva e quero ser quem eu puder e quiser ser.”

– O que você acredita ainda faltar na sociedade pra todos pararem de definir gênero pelas roupas?

Sinto que hoje na Moda as pessoas aceitaram e entenderam melhor que no final do dia roupa é roupa, não existe gênero em um pedaço de tecido. Mas continuo batendo na tecla de que estamos muito distantes desse lugar respeitador que todos nós deveríamos ter acesso.

– Você se sente representado pelas lojas/marcas?

Não lembro de não me sentir representado porque sempre enxerguei roupas como elas são: roupas. É importante ressaltar que estou falando de um lugar de muito privilegio por ser uma pessoa magra e ter facilidade em achar roupas que caibam em mim. Mas saibam que setor masculino e feminino não é capaz de aprisionar corpos livres.

– O que você pensa sobre marcas que produzem moda sem gênero? Você acredita que Moda Sem Gênero é o futuro da moda?

Marcas que tem como embasamento a Moda Agênero são marcas que ganham espaço no mercado pela causa, mas não consigo afirmar que seria o futuro da moda. Precisamos conquistar muitas outras coisas ainda e a moda é um reflexo da sociedade, quando conseguirmos aí sim a moda sem gênero ganha vida e espaço.

– O que você acredita ainda faltar na sociedade pra todos pararem de definir gênero pelas roupas?

Como eu disse ali em cima, moda é comunicação pura e um reflexo social, quando nós conseguirmos destruir essa sociedade patriarcal que nos silenciam o tempo todo, assuntos como esses não serão mais discutidos. Eu não luto pelo fim da moda, eu só́ quero uma moda mais justa e que nos aceite. Enquanto a gente não atinge esse lugar respeitador não vamos nos silenciar, não podemos ter medo. Roupa comunica mais do que a gente imagina, roupa (trans)forma. É tão lindo ver um corpo livre e feliz.

Eu não luto pelo fim da moda, eu só́ quero uma moda mais justa e que nos aceite. Enquanto a gente não atinge esse lugar respeitador não vamos nos silenciar, não podemos ter medo. Roupa comunica mais do que a gente imagina, roupa (trans)forma. É tão lindo ver um corpo livre e feliz.”


No Brasil, existe uma luta gigante para todos serem aceitos do jeito que são e todos poderem se expressar como quiserem. Na teoria, todos temos direito a expressão e a existência, porém quando falamos de pessoas que fogem da curva padronizada da sociedade, vemos várias rachaduras no sistema. Vemos que somos o país com mais casos de mortes por conta da LGBTQIA+fobia, somos o país que mais mata pessoas por serem pessoas.

Claro que toda essa luta tem vários outros aspectos, mas a Moda é uma forma da gente mostrar pra sociedade que tá tudo bem sermos quem somos, quem queremos ser, então que tal voltar pra cena fashion de 1700?!

Canais de denúncia contra LGBTQIA+fobia virtual (redes sociais, sites, etc)https://new.safernet.org.br/denuncie

Delegacias – Toda delegacia tem o dever de atender as vítimas de homofobia e de buscar por justiça. Nesses casos, é necessário registrar um Boletim de Ocorrência e buscar a ajuda de possíveis testemunhas na luta judicial a ser iniciada. As denúncias podem ser feitas também pelo 190 (número da Polícia Militar) e pelo Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).

Em alguns estados brasileiros, há órgãos públicos que fazem atendimento especializado para casos de homofobia.

Bibliografia

https://sp.cut.org.br/noticias/brasil-segue-no-topo-dos-paises-onde-mais-se-mata-lgbts-4d85

Artigo: Construindo a Diferença, Vestuário e Gênero no Séc  XIX

Representatividade negra na moda

O Brasil é o segundo país em população negra do mundo, só perdendo para Nigéria, mais da metade do povo brasileiro descende de povos africanos. No universo da moda assim como muitos outros a figura do negro ainda é pouco representada, e isso tem ligação com racismo estrutural de não associar o negro ao belo e a riqueza. Essa é uma questão que vem passando por mudanças, porém ainda existe um longo caminho pela frente. Matheus Negrão um dos nossos entrevistados dessa edição afirma que quando falamos de representatividade negra da moda, há uma quebra de paradigma da imagem que foi arquitetada historicamente, pois a imagem que os brancos do período colonial queriam passar dos negros foi pensada com objetivo de demarcar posições. Para Janna Dun, também entrevistada nessa edição, os negros estão em poucos lugares de destaque, principalmente no mercado de moda, pois a representatividade branca ainda prevalece.

Por Renan Cardoso


– Matheus Negrão também é nosso entrevistado desta edição, perguntamos a ele sobre a representatividade negra na moda. Como você julga esse cenário sendo uma modelo preta dentro deste universo?

Janna: “Vejo os negros tomando espaço, porém é uma mudança pequena. Tem poucos negros em lugares de destaque, principalmente no mercado da moda, porque a representatividade branca ainda é maioria.

Ganhamos um poder de fala com o avanço das redes sociais, porque gerou uma pressão no mercado da moda, eu como modelo vejo isso a todo o momento. Na maioria das vezes é muito conveniente usar nossa cultura, nossa maneira de vestir, nossos costumes e não colocar nossa gente para representá-los.

Um questionamento que me vem à cabeça é “essa mudança é genuína ou o negro está na moda?”

Como você iniciou a sua carreira?

Janna: “Iniciei na minha cidade natal Miguelópolis, participando de concursos, em um evento tive a oportunidade de conhecer um booker de uma agência de São Paulo, e não pensei duas vezes em ir viver meu sonho. Quando decidi morar em São Paulo eu não tinha dinheiro para arcar com todas as despesas, então tive a ideia de vender marmitas e com esse dinheiro me mudar. Chegando lá, passei 20 dias comendo miojo, para economizar. Andei a pé por 1h30 pra chegar em um casting. Morei em uma casa com 40 meninas. O meu celular era aquele que só fazia ligação, eu não tinha Google Maps, ficava super perdida. Uma vez quase fui parar na “cracolândia”– aloka– . Parava no ponto de ônibus errado… foi babado viu!!! – risos –“

– Recentemente você participou da campanha da Pantene (Unidas Pelos Cachos) qual foi importância de participar desta campanha e qual a relevância social dessa ação para você?

Janna: “Fiquei super feliz em ser uma referência para tantas mulheres, eu tenho orgulho quando alguém olha pra mim e diz: “Muito obrigada por ser quem você é por me fazer acreditar em mim.”

– Aproveitando essa edição de Dias Das Mães, como foi a participação da sua mãe na construção da carreira?

Janna: “Minha mãe sempre me apoiou em tudo, e ela esteve comigo em todos os momentos. Sou muito grata a ela, por cada palavra de incentivo, por acreditar no meu sonho.”


– Como você analisa a representatividade negra na moda ao longo dos últimos anos até os dias de hoje?

Math: “Se mais da metade da população brasileira é negra, e a moda reflete a sociedade o que é atual, por que os negros e a cultura negra não ocupam esse espaço? O que chamamos de belo faz parte de uma construção social que dita padrões, o qual atualmente é o padrão da beleza europeia. A imagem dos corpos negros faz parte de um imaginário social, onde as pessoas ligam a marginalização, violência e muitas vezes algo animalesco. Quando falamos de representatividade negra na moda nós quebramos o paradigma dessa imagem que foi arquitetada historicamente, uso essa expressão porque a imagem que os brancos no período colonial queriam passar dos negros foi estrategicamente pensada com o objetivo de explicar a posição que o negro deveria ocupar socialmente. Sabemos que essa ideia estética ainda existe no inconsciente de muitos, e para a construção de identidade de um negro, principalmente num espaço que envolve autoestima e reflete a sociedade, se enxergar é muito importante para que possa descontruir essa imagem que nos é associada e para que possamos ser vistos na indústria audiovisual, que nos resume em um padrão de pobreza.

O movimento “AfroPunk” e a “Geração Tombamento” vem ganhando cada vez mais força e enaltecendo nossas raízes, nossas cores, nossas texturas, mostrando toda a beleza que existe nos corpos negros e em nossa história que foi apagada. Não é só estética, é um empoderamento!”

A gente trás como entretenimento dessa edição da revista a série Sex Education, o personagem Eric tem uma forte representatividade social na trama. Você acha que a série abordou essa representatividade de maneira plausível?

Math: “Pelo amor de Deus, essa série É TUDO! (Matheus vibra) Todo mundo tem que assistir essa série. Quando falamos de representatividade social ela aborda algumas problemáticas que só quem estuda negritude consegue pegar a importância dessas questões. A fase de descobertas que Eric vive, que é a fase da adolescência, é uma das mais difíceis para um homem negro, porque existe um estereótipo de quem o homem negro PRECISA ser. Evidentemente mais másculo do que o normal, a masculinidade tóxica é muito maior para um homem negro e vemos isso claramente quando Eric decide ser quem os outros esperam que ele seja e repentinamente vira uma pessoa violenta. A maior parte dos amigos de Eric são brancos e isso reflete na forma romantizada que ele enxerga o mundo. O momento que mais mostra a dificuldade de ser um jovem negro é a forma que ele constantemente é trocado por outros personagens brancos. Eric é largado por um homem branco para ir atrás de uma mulher branca, isso reflete muito a solidão afetiva dos negros, onde servimos como muleta para ajudar a solucionar problemas e na parte sexual, mas quando o assunto é afeto e fidelidade a pessoa foge. A série realmente surpreende e quebra um paradigma que gera até um estranhamento em quem assiste quando mostra a aflição de um pai protestante, hétero e negro não sendo violento ao descobrir que seu filho é gay. O pai junto ao Eric protagoniza cenas lindas, então se não assistiu já prepara o lenço. O único ponto de alerta e que precisa ficar claro e que a série deixa isso mal resolvido é a naturalização e a “romantização” do que uma pessoa que comete homofobia e racismo, tenha uma paixão secreta.”

– Você fala em alguns dos seus posts sobre auto conhecimento e libertação, e um post em específico sobre o seu cabelo e sobre aceitá-lo. Como foi e como é hoje a relação de auto amor com seu corpo, pele e cabelo?

Math: “Lembro de ouvir quando eu era criança de que eu não era negro, eu era moreno. E quando você ouve isso e vive o racismo, você passa a enxergar o quanto essa fala tem a intenção de mascará-lo, pois só mostra que a palavra “negro” ainda é ligada a marginalidade. E que família deseja que seu filho tenha essa associação? Eu me tornei negro porque houve uma descoberta, eu tive que pesquisar minhas raízes, quem era meu povo preto e porque eu sofria sem saber, por que as pessoas me enxergavam diferente? Então eu só descobri quem é o Matheus quando eu comecei a estudar e descobrir minha negritude. Desde pequeno eu raspava meu cabelo, consciente ou inconscientemente os negros acreditam que raspando a cabeça estarão mais apresentáveis e mais livres de preconceitos, fica mais fácil para não ser julgado, para se relacionar. Isso foi um jeito de me embranquecer, simplesmente para agradar. Sabemos que quanto mais sua pele for escura, maior o nariz, maior seu cabelo e mais crespo ele for, mais racismo você vai sofrer. Por isso falo que esse processo é um ato de auto amor e liberdade, porque você se livra de todas as algemas que nos prendem de sermos quem somos e não tem nada mais bonito do que ser quem a gente é, sendo real, sem filtros, sem rótulos.”

Apesar dos números indicarem avanço na diminuição da desigualdade racial no Brasil nos postos de trabalho, o trabalho braçal ainda é associado aos pretos. Como você entende essa situação e qual a maneira de valorizar o trabalho de vocês?

Math: “É lindo ver negros ocupando cada vez mais cargos importantes e sendo valorizados. Enxergo essa valorização como uma reparação histórica. Apesar disso é importante ter em mente que quando se trata de racismo não existe uma blindagem. O racismo não poupa seus alvos, não importa sua posição social, reconhecimento intelectual, até o maior elemento de status, quando se relaciona com o negro, é questionado. O trabalho braçal ainda é associado aos negros porque essa imagem ainda está presente no imaginário social. Por ser parte de uma estrutura, a desconstrução de cada um é individual, eu não posso fazer isso por ninguém, por isso que a consciência é importante.

A partir do momento que as pessoas criarem um entendimento sobre esse assunto a valorização do trabalho de um negro passa a ser natural, pois existirá uma lucidez social de que para um negro estar onde ele está foi muito mais difícil do que para um branco que tem seus privilégios.”

– Aproveitando nossa edição de Dias Das Mães, você gostaria de deixar alguma mensagem para todas as mães e para a sua nessa data?

Math: “Sim! Eu arrisco definir (se é que é possível) o que é ser mãe em duas palavras; amor e força. Seja quem for que faça o papel de mãe em nossas vidas precisa ser valorizada, não existe nada mais puro e bonito do que o amor de mãe.

Em especial gostaria de deixar uma reflexão e mensagem para as mães negras. Historicamente sabemos que as mulheres negras sempre cuidaram de crianças que não eram suas filhas e que seus filhos acabavam ficando em segundo plano, então para uma mulher negra e que tem o papel de mãe, a vida sempre foi mais difícil, pois além de educar os seus, tinham que educar e dar o afeto para o filho dos outros. Queria agradecer a todas as mães negras, pela força, pois não é fácil educar e empoderar filhos negros em um país racista, sempre preocupadas com o sofrimento de ver seus filhos passarem pelo processo de racismo e em saber que seus filhos têm muito mais chance de morrer apenas por serem negros. Então, deixo meu carinho e amor especial a essas mulheres negras que trazem consigo um amor incondicional pelos seus filhos e pelos demais que se tornam filhos do coração, mesmo elas sendo injustiçadas e desvalorizadas. Que essa data além de causar reflexão seja uma data de amor.”